quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Tuttifutti

Meus olhos eram inocentes. Não só os olhos, eu era inocência pura da cabeça aos pés. Você era um cara legal, muito cool. Algo me chamava pra você e você andava sorridente com sua namorada. Você sabia que ficamos amigas? Eu e sua antiga namorada. Você era o irmão da minha amiga. Sempre te achei bacana. Mais do que bacana. Nunca compreendi a coisa toda. Até que você me quis. Ali eu ja sabia que estava encrencada. Mas você me quis mais. E eu não sabia lidar com meu querer, muito menos com o seu.
Naquela época, eu tinha acabado de entender que os homens se interessavam por mim e eu não era mais só uma nerd desajeitada. Me descobri uma nerd desajeitada e desejada contigo. Você sabia disso? Você fez parte das minhas tarefas de autoconhecimento. Você fez parte do meu luto e de uns sofrimentos conflituosos. Você esteve lá. Ao fundo, numa constância quase inabalável. Ao som de Paolo Nutini, você estava lá. Em cachorros quentes, belas paisagens, em minha recém adquirida liberdade. Cê tava lá. E eu me descobri um pouco mais nos seus beijos e extraordinariamente você me pedia colo... Mas eu não sabia como dar.
Você era demais pra mim, porque era tudo o que eu queria, mas não era meu. Eu tinha dias longos e distantes e você tinha delivery de sushi. Carinho nos olhos e nas mãos. Tinha decisões e não tinha medo. Eu tinha o medo por nós dois.
Eu morava no oposto da cidade e acordava cedo. Não queria ficar pra dormir. Não devia. Não podia. Se eu ficasse meu coração também ia. Porque você era tudo o que eu queria, mas não era meu. Tinha boca, mãos e olhos carinhosos e não tinha medo, tinha decisões. Eu conheci muitas das suas camas, pouco dos seus amigos e só ouvi falar das suas mulheres. Tudo bem. Você me dava colo na maior parte das vezes, sem nem perceber. Atravessava as minhas muralhas altas flutuando. Você sentia isso?
Conheci o tamanho da impotência do meu coração diante do seu poder de persuasão. Você conheceu meus gritos e chiliques e pontapés. Minha fúria cor de rosa de princesinha Disney. E eu nunca venci. Na batalha entre a razão e o coração, o nocaute sempre foi o meu placar. Coração na mão estrebuchando. Pior que o coitado fingia ser tão forte.
Escrevendo hoje, faço desta a minha declaração da derrota. Eu perdi. Nem luto mais. Perdi você, perdi a mim. Nós. Essa coisa toda que a gente acha que pode vencer. Meu coração nunca venceu, só estrebuchou. Essa não seria mesmo a primeira vez.
Eu já te vi chorar. Eu já te dei colo. Acho também que já tive mãos e olhos carinhosos e um pouco menos de medo e ocasionalmente decisões. Já fiz hambúrgueres. Dei de mim o melhor. O melhor que eu podia. Nunca foi muito. E mesmo assim você se importava. Comigo e com a pequeneza das coisas que eu podia te dar. Interrogatórios, questionamentos demais. Culpa. Devo ter te dado isso também. Como você não desistiu de mim? Enquanto era tempo? Enquanto era justo? Penso tanto nisso. Porque não desistimos mutuamente de nós. Esse par de vasos descombinantes e desajeitados, não ficamos bem na sala.
Acho que estou liberando toda a minha negação criativa de você aqui e agora. Será que esse é meu jeito torto de te pedir de volta pra mim? Volta a ser meu amigo? Volta? Volta a me querer na sua vida... Me deixa te dar colo e comida. Sei lá. Essa coisinha singela que se pode dar pra quem a gente ama. Às vezes a gente já cresceu demais pra esse tipo de coisa. Às vezes você está muito à frente de mim. Não sei. Daqui a pouco você vai ter filhos. Acho que isso que me dói. Talvez a culpa de novo.
Não escrevo sobre nós, porque não consigo ficar só na parte bonita. E a parte bonita é linda. Linda como você. E não é justo com tudo isso que existiu, existe e existirá a finitude das palavras. Talvez meu medo seja esse, a finitude. Pontos no lugar das vírgulas. Talvez o bloqueio venha daí. Eureca.
Vamos fazer um combinado? Eu termino esse texto com reticências e assim você fica pra sempre na minha vida? Podemos fazer isso? Tá. Acho que podemos. Sem mais questionamentos. Eu gosto de sorvete...