quarta-feira, 29 de abril de 2009

O ladrão.


Eu ouvia a porta se abrindo, assim baixinho sem grande alarde, num rangido delicado, que tentava até ser silencioso. Ouvia, passos leves e espaçados, como se calculassem o caminho por onde pisam, com medo de se perder ou se machucar. Não adianta nem tentar, depois que alguém entra no meu mundo, vai guardar para sempre uma cicatriz e um desespero de quem sabe o que é se perder numa confusão, mas mesmo assim ele estava ali se arriscando.

No entanto, ninguém nunca havia entrado daquela forma no meu coração. Não bateu na porta, não pediu licença... Só chegou, apreciou e entrou silencioso, com uma cautela misteriosa que despertou minha eterna obsessão de desvendar mistérios.

Desde então, tenho tentado espiá-lo de dentro dos meus esconderijos, sem coragem de me oferecer para mostrar o lugar e o chamar para se acomodar. Eu simplesmente não sei o que fazer, me escondo. E eu não era assim! Eu sou uma egoísta, nunca liguei pra os caras que o maior desejo era fazer parte da minha vida. Eu já tive vários deles, cada um tentando fazer uma festa de abertura mais escandalosa que o outro, para Deus e o mundo ficarem cientes de que agora eles que haviam tomado conta da minha morada... Oh, pobres coitados! Ninguém é chefe desse ressinto, senão eu. Porém, eu pouco ligava para o estardalhaço que faziam, e fingia aceitar tudo o que eles diziam, só pra ficar com eles um pouco, matando minha solidão. E cínica, quando não queria mais, mostrava com carinho o caminho da porta e dizia até logo - até quando eu quiser você de novo.

Era esse o roteiro. A porta do meu coração, sempre parecia emoldurar exibicionistas que iam ali dar um show. Quem eu era não valia tanto, mas estar ali e poder contar pra todo mundo, era simplesmente demais!  Aquela nova entrada me surpreendeu, me deixou intimidada. Ele não parecia estar aqui dentro a passeio e muito menos com vontade de tomar conta. Parecia só querer me encontrar, me acompanhar, saber quem eu sou, como eu estou... Mesmo receoso, por não conhecer o terreno, ele continuava ali tentando se encontrar em mim. Olhando, com aqueles olhos da cor do mar e da esperança, dentro do meu olhar perdido. E foi só ele abrir o sorriso para iluminar a minha escuridão. Nesse instante, o meu maior desejo era trancar a porta do meu coração, porque eu não queria ver ele sair daqui. O problema é que ele na chegada misteriosa, entrou depois de ter trocado a fechadura e agora só ele tem a chave... Eu deveria saber que ele seria o ladrão que veio para roubar meu coração. Mas não tenho medo, me sinto estranhamente bem, vulnerável em suas mãos.